Uma árvore rara na Rua de Santana, em
Ponta Delgada
*Raimundo Quintal e Teófilo Braga
No final do mês de setembro de 2020, fomos
alertados para a construção de um parque de estacionamento na Rua de Santana,
em Ponta Delgada, e estivemos envolvidos num amplo movimento cívico que alertou
a Senhora Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada e os cidadãos para a importância
de salvaguardar o património arbóreo existente no local, com destaque para um Ulmeiro
(Ulmus minor), um Jacarandá (Jacaranda mimosifolia), um Dragoeiro
(Dracaena draco subsp. draco), um Salgueiro-chorão (Salix
babylonica), uma Árvore-do-fogo (Brachychiton acerifolius) e um
Alfinheiro (Ligustrum lucidum). Felizmente as seis árvores foram
preservadas e Ponta Delgada ganhou um parque de estacionamento exemplar.
Desde o dia 22 de setembro, enquanto
acompanhávamos as obras no referido parque de estacionamento, passámos a
prestar atenção a uma espécie arbórea localizada no lado contrário e quase no
cimo da referida rua, que até então não tínhamos observado na ilha de São Miguel.
Perante a “descoberta”
colocámos duas questões:
- A que espécie pertence
a desconhecida árvore, debruçada sobre o muro, à frente duma notável Magnólia (Magnolia
grandiflora), ao lado duma vetusta Pitangueira (Eugenia uniflora),
abraçando um pequeno incenseiro (Pittposporum undulatum)?
- Quem a terá introduzido
em São Miguel e plantado no logradouro daquele velho casarão?
A
resposta à primeira questão não foi fácil. A análise das folhas e dos frutos
levou-nos a acreditar que se tratava duma árvore do género Syzygium, uma
prima do Jambeiro (Syzygium jambos), da Acmena (Syzygium ingens)
e do Mirtilo-chorão (Syzygium floribundum), árvores da família Myrtaceae,
presentes nos grandes jardins de Ponta Delgada.
Nada
mais errado! Quando na segunda quinzena de janeiro começaram a aparecer as
flores, logo a primeira hipótese caiu por terra. Aquelas flores não podiam ser
duma espécie da família das Mirtáceas.
Munidos
de bastante informação referente à textura dos ramos, à forma e inserção das
folhas, à morfologia das flores e às características dos frutos desde a sua
formação até ao desprendimento após o processo de maturação, chegámos, após
aturado trabalho de consulta de manuais e sítios na Internet referentes às
floras dos diferentes continentes, à conclusão de estarmos perante uma Olinia
ventosa (L.) Cufod., endémica da África do Sul onde ocorre principalmente
ao longo das regiões costeiras desde a Península do Cabo até ao sul da região
de KwaZulu-Natal.
No
“FIELD GUIDE TO TREES OF SOURTHERN AFRICA” (Braam van Wyk & Piet van Wyk,
1997) encontrámos uma pormenorizada descrição da espécie, que se revelou
fundamental para a identificação da árvore em causa.
Aquando
da edição do precioso guia o género Olinia era o único da família Oliniaceae,
com apenas 10 espécies de árvores e arbustos endémicos do Sul e Este de África.
O género Olinia foi criado em 1799 pelo botânico sueco Carl Peter
Thunberg (1743-1828) em homenagem a outro botânico sueco, Johan Hendrik Olin
(1764-1824).
Em
2009, a família Oliniaceae foi integrada na família Penaeaceae, nativa
da África do Sul, que possui 9 géneros e 29 espécies de árvores e arbustos
perenifólios, com folhas coriáceas (WORLD FLORA ONLINE, A Project of the World
Flora Online Consortium - http://www.worldfloraonline.org/).
De
acordo com Palmer & Pitman (1961), citado em PlantZAfrica.com (http://pza.sanbi.org/olinia-ventosa)
a Olinia ventosa, cujo nome vulgar em inglês é “hard pear” (pera dura),
não frutifica regularmente, chegando a existir um interregno de 5 a 7 anos
entre duas frutificações. Talvez por esta razão a árvore da Rua de Santana, que
no outono – inverno de 2020-2021 produziu abundantes frutos, tenha até agora
passado despercebida.
Atendendo
a que ainda com os frutos a amadurecer já está a produzir inflorescências pouco
vistosas, com flores pequenas de cinco pétalas entre o branco e o verde limão,
vamos estar atentos para verificar se esta nova floração produzirá frutos. Continuaremos,
também, a observar se as flores são procuradas pelas abelhas e outros insetos,
e se algum pássaro come os frutos. Estas observações são importantes para
compreender o comportamento da espécie fora do seu habitat. Na África do Sul a
polinização é feita por insetos e os frutos são apreciados por pássaros, que dispersam
as sementes. Em São Miguel só se conhece este espécime. Queremos perceber
porquê!
Passemos
à segunda questão: Quem a terá introduzido esta árvore em São Miguel e plantado
no logradouro daquele velho casarão?
Consultadas
as listas de espécies de José do Canto, de António Borges e as referidas no Jornal mensal da
"Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense",
“O Agricultor Micaelense”, até ao presente não encontrámos qualquer referência
à espécie mencionada.
Não
nos sendo possível afirmar quem introduziu a espécie em São Miguel, através da
sua localização em terreno adjacente à casa que tem número de porta 74, tudo
leva a crer que a sua chegada a São Miguel poderá ter sido da responsabilidade
de alguém da família Canto.
Com
efeito, a propriedade em questão, de acordo com Bernardo do Canto (1799-1863)
já pertencia à família há talvez dois séculos. Mais recentemente, por escritura feita, em 11 de março de 1922, pelo Notário Raposo de Viveiros, a
casa passou para a posse de Beatriz
do Canto Machado de Faria e Maia (1927-1988), filha de António Cardoso Machado
de Faria e Maia e de sua mulher Maria Ernestina do Canto, esta filha de Ernesto
do Canto (1831-1900). Com o desaparecimento de Beatriz do Canto, cujo nome foi
atribuído ao antigo Parque das Murtas, nas Furnas, a propriedade continua na
família.
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