sábado, 6 de março de 2021

Uma árvore rara na Rua de Santana, em Ponta Delgada

 



Uma árvore rara na Rua de Santana, em Ponta Delgada

 

 

*Raimundo Quintal e Teófilo Braga

 

 

No final do mês de setembro de 2020, fomos alertados para a construção de um parque de estacionamento na Rua de Santana, em Ponta Delgada, e estivemos envolvidos num amplo movimento cívico que alertou a Senhora Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada e os cidadãos para a importância de salvaguardar o património arbóreo existente no local, com destaque para um Ulmeiro (Ulmus minor), um Jacarandá (Jacaranda mimosifolia), um Dragoeiro (Dracaena draco subsp. draco), um Salgueiro-chorão (Salix babylonica), uma Árvore-do-fogo (Brachychiton acerifolius) e um Alfinheiro (Ligustrum lucidum). Felizmente as seis árvores foram preservadas e Ponta Delgada ganhou um parque de estacionamento exemplar.

 

Desde o dia 22 de setembro, enquanto acompanhávamos as obras no referido parque de estacionamento, passámos a prestar atenção a uma espécie arbórea localizada no lado contrário e quase no cimo da referida rua, que até então não tínhamos observado na ilha de São Miguel.

 

Perante a “descoberta” colocámos duas questões:

 

- A que espécie pertence a desconhecida árvore, debruçada sobre o muro, à frente duma notável Magnólia (Magnolia grandiflora), ao lado duma vetusta Pitangueira (Eugenia uniflora), abraçando um pequeno incenseiro (Pittposporum undulatum)?

 

- Quem a terá introduzido em São Miguel e plantado no logradouro daquele velho casarão?

 

A resposta à primeira questão não foi fácil. A análise das folhas e dos frutos levou-nos a acreditar que se tratava duma árvore do género Syzygium, uma prima do Jambeiro (Syzygium jambos), da Acmena (Syzygium ingens) e do Mirtilo-chorão (Syzygium floribundum), árvores da família Myrtaceae, presentes nos grandes jardins de Ponta Delgada.

Nada mais errado! Quando na segunda quinzena de janeiro começaram a aparecer as flores, logo a primeira hipótese caiu por terra. Aquelas flores não podiam ser duma espécie da família das Mirtáceas.

 

Munidos de bastante informação referente à textura dos ramos, à forma e inserção das folhas, à morfologia das flores e às características dos frutos desde a sua formação até ao desprendimento após o processo de maturação, chegámos, após aturado trabalho de consulta de manuais e sítios na Internet referentes às floras dos diferentes continentes, à conclusão de estarmos perante uma Olinia ventosa (L.) Cufod., endémica da África do Sul onde ocorre principalmente ao longo das regiões costeiras desde a Península do Cabo até ao sul da região de KwaZulu-Natal.

 

No “FIELD GUIDE TO TREES OF SOURTHERN AFRICA” (Braam van Wyk & Piet van Wyk, 1997) encontrámos uma pormenorizada descrição da espécie, que se revelou fundamental para a identificação da árvore em causa.

 

Aquando da edição do precioso guia o género Olinia era o único da família Oliniaceae, com apenas 10 espécies de árvores e arbustos endémicos do Sul e Este de África. O género Olinia foi criado em 1799 pelo botânico sueco Carl Peter Thunberg (1743-1828) em homenagem a outro botânico sueco, Johan Hendrik Olin (1764-1824).

 

Em 2009, a família Oliniaceae foi integrada na família Penaeaceae, nativa da África do Sul, que possui 9 géneros e 29 espécies de árvores e arbustos perenifólios, com folhas coriáceas (WORLD FLORA ONLINE, A Project of the World Flora Online Consortium - http://www.worldfloraonline.org/).

 

De acordo com Palmer & Pitman (1961), citado em PlantZAfrica.com (http://pza.sanbi.org/olinia-ventosa) a Olinia ventosa, cujo nome vulgar em inglês é “hard pear” (pera dura), não frutifica regularmente, chegando a existir um interregno de 5 a 7 anos entre duas frutificações. Talvez por esta razão a árvore da Rua de Santana, que no outono – inverno de 2020-2021 produziu abundantes frutos, tenha até agora passado despercebida.

 

Atendendo a que ainda com os frutos a amadurecer já está a produzir inflorescências pouco vistosas, com flores pequenas de cinco pétalas entre o branco e o verde limão, vamos estar atentos para verificar se esta nova floração produzirá frutos. Continuaremos, também, a observar se as flores são procuradas pelas abelhas e outros insetos, e se algum pássaro come os frutos. Estas observações são importantes para compreender o comportamento da espécie fora do seu habitat. Na África do Sul a polinização é feita por insetos e os frutos são apreciados por pássaros, que dispersam as sementes. Em São Miguel só se conhece este espécime. Queremos perceber porquê!

 

Passemos à segunda questão: Quem a terá introduzido esta árvore em São Miguel e plantado no logradouro daquele velho casarão?

 

Consultadas as listas de espécies de José do Canto, de António Borges e as referidas no Jornal mensal da "Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense", “O Agricultor Micaelense”, até ao presente não encontrámos qualquer referência à espécie mencionada.

 

Não nos sendo possível afirmar quem introduziu a espécie em São Miguel, através da sua localização em terreno adjacente à casa que tem número de porta 74, tudo leva a crer que a sua chegada a São Miguel poderá ter sido da responsabilidade de alguém da família Canto.

 

Com efeito, a propriedade em questão, de acordo com Bernardo do Canto (1799-1863) já pertencia à família há talvez dois séculos. Mais recentemente, por escritura feita, em 11 de março de 1922, pelo Notário Raposo de Viveiros, a casa passou para a posse de Beatriz do Canto Machado de Faria e Maia (1927-1988), filha de António Cardoso Machado de Faria e Maia e de sua mulher Maria Ernestina do Canto, esta filha de Ernesto do Canto (1831-1900). Com o desaparecimento de Beatriz do Canto, cujo nome foi atribuído ao antigo Parque das Murtas, nas Furnas, a propriedade continua na família.

 

 

 

 

 


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