quarta-feira, 5 de junho de 2019
Depois do ciclo da vaca, o do café?
Depois do ciclo da vaca, o do café?
Nos últimos tempos muitas notícias têm vindo a público sobre o cultivo do café. Uma delas dava conta da formação de uma associação regional que tem como objetivo a comercialização do café, através da instalação nos Açores de uma fábrica. Outra notícia, mais recente associava uma parceria entre a Associação de Produtores Açorianos de Café e uma conhecida empresa continental com vista à venda do “primeiro café 100% português e o primeiro produzido na Europa”.
Existem mais de 100 espécies de cafeeiro, sendo o mais conhecido o cafeeiro arábica (Coffea arábica L.) que é originário das zonas montanhosas da Abissínia. De lá foi levado pelos árabes e pelos holandeses para a Ásia. A partir da Ásia terá chegado aos jardins de França e da Holanda e depois à América. Embora não haja provas, pensa-se que terão sido os portugueses a introduzi-lo no Brasil a partir do Oriente.
Não pense o leitor que é recente a chegada do café aos Açores, pois já está entre nós há muito tempo.
Não havendo uma data precisa, pelo menos não conhecemos, para a introdução do café nos Açores, sabe-se que no princípio do século XIX já era cultivado em São Miguel como se constata através de uma nota publicada no volume III das Escavações de Francisco Maria Supico. Na página 1241 pode-se ler: “…O cafezeiro e a cana de açúcar, não obstante terem sido com trabalho e cuidado produtivos em alguns casos, contudo são cultivados principalmente como curiosidade.”
O Dr. Carreiro da Costa, por seu turno, no nº 17 do Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, cita uma nota da autoria de André do Canto segundo o qual “por volta de 1844, havia alguns micaelenses que tinham plantado alguns cafeeiros deles colhendo os preciosos grãos com certa abundância”.
No texto referido são mencionados os nomes do Dr. João Borges de Medeiros Amorim que possuía uma “não pequena” plantação na Lagoa e do sr. Nicolau Maria Raposo do Amaral que da sua propriedade no Rosto do Cão colhia “mais de arroba e meia de grão encascado”.
Relativamente à qualidade do café produzido, André do Canto, referindo-se ao produzido pelo Dr. João Borges de Medeiros Amorim, garante que é boa, como se pode ler no seguinte extrato: “Pela nossa parte, podemos assegurar ser ele de boa qualidade, pois alguma vez o tomámos em sua casa, sempre aromático e mui saboroso, não diremos que igualasse o de Moka, mas certamente era igual, senão superior, ao melhor do Brasil”
Através de uma consulta ao periódico editado pela Sociedade Promotora Agricultura Micaelense, O Agricultor Micaelense, constata-se que o café, em 1848, chegava a São Miguel proveniente do Brasil e da ilha Terceira. No número de maio daquele ano há a referência à chegada de 15 sacas de Pernambuco e no número de julho há a menção a 12 sacas oriundas da ilha Terceira.
Naquele ano já se produzia café em São Miguel, tendo António Feliciano de Castilho feito publicar, no nº 4, d’O Agricultor Micaelense, uma proposta por ele redigida a 12 de março de 1848 cujo conteúdo é o seguinte:
“Atendendo a ser o café género de consumo fácil e caríssimo e a terra desta ilha e os seus ares parecerem mui próprios para criarem o cafeeiro, proponho que, a fim de promover a sua cultura, a SOCIEDADE estipule um prémio para o lavrador de S. Miguel que maior colheita de café manifestar dentro de certo prazo”.
No texto do referido anteriormente, André do Canto escreveu que não acreditava que a cultura do café pudesse “fazer a riqueza de S. Miguel e porventura equiparar-se à das laranjeiras, dos cereais, da seda das plantas oleíferas, etc.”.
Esperamos que, no futuro, o café seja mais uma das culturas de uma agricultura diversificada e respeitadora do ambiente e da saúde que os Açores e os açorianos precisam.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31845, 6 de junho de 2019, p.10)
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