terça-feira, 22 de novembro de 2022
EM DEFESA DAS PLANTAS DOS AÇORES NO DIA DA FLORESTA AUTÓCTONE
EM DEFESA DAS PLANTAS DOS AÇORES NO DIA DA FLORESTA AUTÓCTONE
Introdução
Celebrado anualmente e em geral através de sementeiras e plantações de espécies da flora autóctone de uma dada região, o dia 23 de novembro- Dia da Floresta Autóctone foi escolhido como alternativa ao Dia Mundial da Floresta (Dia 21 de Março) porque na Península Ibérica o mês de novembro apresenta melhores condições climatéricas para a plantação de árvores.
O Dia da Floresta Autóctone surgiu, em Espanha, por iniciativa da ARBA – Associacón para la Recuperación del Bosque Autoctóno (https://arba-s.org/)– que integra mais de 50 associações para a recuperação dos bosques autóctones da Península Ibérica- e teve a adesão, em Portugal, por parte da Quercus (https://quercus.pt/) e recentemente, da ÍRIS- Associação Nacional de Ambiente (https://irisambiente.org/). Apesar de não ser uma data oficial, o ICNF- Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas também a tem celebrado.
A 23 de novembro de 2022, o Núcleo Regional dos Açores da ÍRIS- Associação Nacional do Ambiente, para além de apelar publicamente a todos os açorianos amigos da natureza para a participação em ações de defesa da flora autóctone dos Açores (plantas endémicas e nativas) a realizar ao longo de todo o ano, irá colaborar com a Escola Secundária das Laranjeiras através da apresentação de uma comunicação sobre a flora endémica dos açores, onde serão homenageadas personalidades e instituições que ao longo dos tempos contribuíram para o seu melhor conhecimento e proteção e serão apresentadas algumas causas para a destruição do património natural dos Açores e apresentadas algumas medidas para a sua recuperação.
Contributos para o conhecimento/proteção da flora açoriana
No ano em que se comemoram os 500 anos do nascimento de Gaspar Frutuoso (P. Delgada, 1522- R. Grande, 1591), o primeiro cronista dos Açores, não podíamos ignorar a sua obra “Saudades da Terra”, onde aquele historiador faz referência às espécies da flora e também da fauna existentes nos Açores aquando da sua descoberta.
A título de exemplo, abaixo citamos um excerto sobre a chegada dos primeiros povoadores à Povoação:
“…e, desembarcando antre duas frescas ribeiras de claras, doces e frias águas, antre rochas e terras altas, todas cobertas de alto e espesso arvoredo de cedros, louros, ginjas e faias, e outras diversas árvores, deram todos, com muito contentamento e festa…”
De entre as espécies nativas mencionadas por Frutuoso, destacamos as seguintes:
• Cedro-do-mato – Juniperus brevifolia
• Sanguinho – Frangula azorica
• Faia – Morella faya
• Louro – Laurus azorica
• Ginja – Prunus azorica
• Azevinho – Ilex azorica
• Urze – Erica azorica
• Tamujo – Myrsine africana
• Uveira ou Uva-da-Serra – Vaccinium cylindraceum
• Pau-branco – Picconia azorica
• Folhado – Viburnum treleasei
• Queiró – Calluna vulgaris
O terceirense Rui Teles Palhinha (1871-1957), que foi professor em várias escolas superiores e na Universidade de Lisboa, fez várias excursões botânicas aos Açores, tendo escrito diversos textos sobre a flora do nosso arquipélago em revistas científicas portuguesas e estrangeiras. Foi autor do livro “Catálogo das Plantas Vasculares dos Açores”, editado, em 1966, pela Sociedade de Estudos Açorianos Afonso Chaves.
O padre Manuel Ernesto Ferreira (1880-1943) foi um sábio vila-franquense que foi professor no Instituto de Vila Franca que de acordo com o seu aluno António Emiliano Costa, “classificava sem dificuldade qualquer planta, como sabia da utilidade ou origem duma pequena erva ou ainda palestrava horas seguidas sobre a vida dum determinado peixe, oração sempre vestida de alegres e interessantes deambulações” foi um dos pioneiros na defesa da “flora indígena” dos Açores. Com efeito, em 1903, na revista “A Phenix” defendeu a criação de “viveiros” ou a existência de coleções de plantas açorianas em jardins já existentes. Segundo ele tal “prestaria um belo serviço à ciência e ofereceria momentos de agradável prazer à maior parte dos continentais e estrangeiros, que continuamente nos visitam e a quem, sem dúvida, interessa, mais do que a estranha, a flora que nos é própria”.
Em 1986, Gerald Le Grand e Duarte Furtado, principais dirigentes do Núcleo Português de Estudos e Proteção da Vida Selvagem- Delegação dos Açores, lançaram as bases de uma campanha em defesa da flora dos Açores. A campanha referida apresentava três linhas de ação:
1- A criação de jardins botânicos, ao nível das localidades, das instituições ou mesmo da Região, com o objetivo de salvaguardar o maior número de espécies e promovendo a sua divulgação pública;
2- A implementação de uma campanha de educação, com a publicação de material informativo sobre as plantas e a distribuição de plantas a particulares;
3- A inventariação de zonas de vegetação indígena, a sua classificação como área protegida e o seu ordenamento pelas autoridades regionais.
Entre 1990 e 1995, dinamizado por diversas associações de defesa do Ambiente, com destaque para a Quercus (Núcleo do Faial), dirigido pelo Doutor Luís Monteiro (1962-1999) e para os Amigos dos Açores- Associação Ecológica, o Projeto Azorica consistiu numa petição intitulada “Pela Sobrevivência da Vegetação Autóctone dos Açores”. A petição tornada pública em março de 1990, recolheu 6527 assinaturas, tendo sido entregue, em 1992, aos órgãos de soberania regionais, nacionais e comunitários.
Como resultado desta petição, em 1995, a Assembleia Legislativa Regional aprovou uma Resolução (nº 13/95/A) onde recomenda que o governo implemente um plano visando a proteção e conservação efetiva das zonas ecologicamente mais valiosas do Arquipélago, do ponto de vista botânico, tendo em consideração os seguintes pressupostos apresentados pelos peticionários:
- Privilegiar a classificação de áreas de proteção relativamente vastas e com elevado número de espécies endémicas ameaçadas, em que estejam representadas o máximo de comunidades vegetais, em lugar da classificação de numerosas áreas homogéneas, pequenas e isoladas, mas altamente vulneráveis.
- Condicionar a introdução de espécies animais e vegetais exóticos no Arquipélago, devido à fragilidade e vulnerabilidade dos ecossistemas insulares, e iniciar programas de controlo das plantas exóticas invasoras existentes.
Em termos de conservação da flora autóctone, atualmente destaca-se, em São Miguel, a intervenção, coordenada pela SPEA, na Zona de Proteção Especial Pico da Vara/Ribeira do Guilherme que visa a proteção do Priolo e da Floresta Laurissilva.
No que diz respeito à divulgação e de conservação ex-situ, destacamos o Jardim Botânico do Faial e a criação de pequenos núcleos de vegetação nativa e endémica no Parque Terra Nostra, no Jardim Botânico José do Canto e no Jardim do Palácio de Santana, em Ponta Delgada.
A situação da flora nativa dos Açores
A área ocupada pela flora nativa dos Açores começou a diminuir desde o povoamento das ilhas. Com efeito, para a instalação dos primeiros povoadores houve a necessidade de introduzir cultivos diversos, nomeadamente para a produção de alimentos, e de gado e a vegetação primitiva constituiu um obstáculo pelo que teve de ser removida, sofrendo danos de vulto que se prolongaram ao longo dos tempos. A devastação atingiu o seu auge no século XX, com a implantação de pastagens permanentes.
Em 1984, Duarte Furtado mencionou que à flora vascular endémica dos Açores encontrava-se de algum modo ameaçada, pela abertura de caminhos, por plantações de matas de exóticas e pelas espécies invasoras e Gerald Le Grand estimava que a vegetação natural dos Açores cobria apenas 1% do território dos Açores.
Luís Silva, da Universidade dos Açores, em 1919, mencionou que “o número de taxa indígenas sujeitos a algum tipo de ameaça continua a subir, sendo hoje de aproximadamente 90, ou seja, mais 50% do que há duas décadas.
A importância da Floresta Primitiva dos Açores
As plantas que os povoadores encontraram quando chegaram aos Açores tiveram grande importância para a sua sobrevivência. Com efeito terá sido a madeira de cedros-do-mato, azevinhos, paus-brancos, tamujos, urzes, etc. a fonte de energia usada para o seu aquecimento, o cozimento dos seus alimentos e para a sua iluminação.
A seguir, a título de exemplo, apresentamos os principais usos de algumas plantas da flora primitiva dos Açores.
O louro (Laurus azorica) teve uma importância fundamental para os primeiros açorianos, não só devido à sua madeira, que foi usada para o fabrico de carros e arados, charruas e cangas para as juntas de bois, mas também devido às suas bagas. Sobre estas Gaspar Frutuoso escreveu o seguinte:
“… louros (de cuja baga se faz todos os anos que a há muito azeite que, ainda que não presta para comer, serve de alumiar e de mezinhas na terra e fora dela, onde se leva)…”
A faia-da-terra (Morella faya) , ainda hoje usada em sebes, foi utilizada para a produção de um carvão vegetal usado na medicina popular.
A urze (Erica azorica) era usada no fabrico de vassouras e em tinturaria para a obtenção do verde.
A madeira de azevinho (Ilex azorica), sanguinho (Frangula azorica) e ginjeira-do-mato (Prunus azorica) era utilizada em obras de marcenaria
A murta (Myrtus communis) foi utilizada para fins medicinais e de perfumaria e as suas folhas eram usadas na curtimenta de peles.
Os curtos e sedosos filamentos do feto do cabelinho (Culcita macrocarpa) eram empregados no enchimento de almofadas e de colchões.
Os frutos da uva da serra (Vaccinium cylindraceum) eram usados em compota ou para fazer vinagre.
Para além do referido a floresta autóctone é importante do ponto de vista ambiental e na conservação da biodiversidade.
Não sendo exaustivos podemos afirmar que as florestas autóctones podem:
- Contribuir para a redução da poluição do ar e para a purificação da água;
- Capturar e armazenar carbono atmosférico
- Reduzir a probabilidade de cheias e influenciar a precipitação a nível local e regional.
- Ser um espaço de lazer e recreio e melhorar a qualidade estética da paisagem;
- Ter uma importância educacional e científica, proporcionando atividades escolares e o desenvolvimento do conhecimento em diversas áreas do saber.
Medidas para a recuperação da floresta autóctone dos Açores
Para além da reconversão de algumas áreas degradadas, nomeadamente de pastagens improdutivas de altitude, a plantação de nativas e endémicas em zonas ocupadas por invasoras, nomeadamente incensos, de uma efetiva gestão das áreas protegidas, é importante um combate generalizado às espécies invasoras em todo o território, sobretudo nas áreas protegidas.
Atendendo a que este texto tem como público-alvo principal a comunidade educativa, nomeadamente alunos, a seguir fazemos menção às principais espécies que devem ser alvo de controlo.
Da lista de plantas prioritárias para controlo ou erradicação de acordo com o Decreto-Regional nº 15/2012/A, de 2 de abril, apresentamos, abaixo, 11 que foram introduzidas para diversos fins, entre eles como ornamentais: Incenso (Pittosporum undulatum), conteira (Hedychium gardnerianum), cana (Arundo donax), gigante (Gunnera tinctoria), tabaqueira (Solanum mauritianum), lantana (Lantana camara), silva-mansa (Leycesteria formosa), verdenaz (Clethra arbórea), chorão (Carpobrotus edulis), bons-dias (Ipomoea indica) e polígono-de-jardim (Persicaria capitata)
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Bibliografia
Frutuoso, G. (1981). Saudades da Terra. Livro IV, Vol II. Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada. 397 pp.
Gabriel, R. (2019). Não há rosas sem espinhos: o papel dos jardins na disseminação de espécies exóticas e invasoras-13 plantas prioritárias para o controlo ou erradicação nos Açores. In Plantas e Jardins: A paixão pela horticultura ornamental na ilha de São Miguel. Albergaria, Isabel (Coord.). Green Gardens Azores/Direção Regional da Cultura-Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada, Ponta Delgada:55-67.
Quintal, R., Braga. T. (2021). Árvores dos Açores. Ponta Delgada: Letras Lavadas. 237 pp.
Moreira, J. (1987). Alguns aspectos de intervenção humana na evolução da paisagem da ilha de S. Miguel (Açores). Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, Lisboa. 83 pp.
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