sexta-feira, 12 de julho de 2024

Amoreira-do-papel

 


Amoreira-do-papel

 

Numa visita que fiz à casa de uma pessoa amiga, localizada na Fajã de Cima, vi pela primeira vez, no dia 2 de julho de 2020, uma planta com folhas com uns recortes estranhos.

 

Com recurso ao meu amigo Raimundo Quintal, um madeirense que, desde 1983, tem estudado a fitodiversidade dos parques e jardins do nosso arquipélago, nomeadamente os da ilha de São Miguel, fiquei a saber que a planta era uma amoreira-da-china, também conhecida por amoreira-do-papel (Broussonetia papyrifera (L.) L’Hér. ex Vent.).

 

A amoreira-do-papel é uma árvore de folha caduca e dioica pertencente à família Moraceae, nativa da China, Japão, Coreia, Taiwan e Polinésia. Com um crescimento rápido, atinge uma altura que varia entre os 6 e os 15 metros.

 

A amoreira-do-papel, cujo nome específico está associado ao facto de a fibra da casca ser usada na produção de papel de grande qualidade, é utilizada em várias partes do mundo essencialmente como planta ornamental.

 

De acordo com algumas fontes, os seus frutos são muito agradáveis ao paladar, podendo ser comidos frescos ou em compotas, tendo propriedades diuréticas. As suas folhas, para além de induzirem a transpiração e evitarem a diarreia, são usadas como cataplasma para combater problemas de pele e associados a picadas de insetos.

 

Na ilha de Fiji a casca da amoreira-do-papel é usada para o fabrico de tecidos que são usados em várias cerimónias tradicionais, que vão do nascimento ao casamento.

 

Identificada a planta, o passo seguinte foi tentar saber a sua abundância na ilha de São Miguel, recorrendo à bibliografia, a pesquisas no campo e ouvindo pessoas amigas que conhecem bem as plantas da nossa terra.

 

Desconhecendo-se a data da sua introdução na ilha de São Miguel, apenas podemos afirmar que a amoreira-do-papel já era conhecida em São Miguel, em 1851, data em que “O Agricultor Micaelesnse”, órgão mensal da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense, publicou um texto intitulado “Broussonetia”. Nele, a dada passo pode-se ler o seguinte: “é uma elegante árvore, da qual crescem prosperamente n’esta Ilha alguns indivíduos”.

 

O texto referido no parágrafo anterior, para além de dar uma explicação sobre o modo como era produzido o papel a partir da casca da amoreira-do-papel, termina com um (quase) apelo à sua plantação na ilha, do seguinte modo: “Quantas árvores que não tem serventia alguma, não roubam o lugar, que poderá ser ocupado por esta, e inúmeras outras árvores de útil préstimo!”

 

Desconhecendo-se o nome da pessoa que a introduziu na ilha de São Miguel, tudo leva a crer que terá sido um dos membros da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense. Também se sabe que a amoreira-do-papel era uma das plantas existentes no Jardim de José do Canto, em Ponta Delgada, na primavera de 1856.

 

No século passado, a amoreira-do-papel não devia ser muita rara nos Açores, pois o Regente Agrícola Silvano Pereira incluiu-a numa listagem das “Principais Plantas Cultivadas e Espontâneas nos Açores”, publicada no Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, nº 18, de 1953.

 

Até ao momento, nenhum dos meus conhecidos indicou a presença da amoreira-do-papel na nossa ilha, pelo que atualmente, para além da árvore já mencionada, tenho observado duas no Pico da Pedra, uma nas Capelas e duas na Ribeira Nova, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo.

 

13 de julho de 2024

quarta-feira, 10 de julho de 2024

Em defesa das plantas, em defesa da Vida

 




Em defesa das plantas, em defesa da Vida

 

No passado dia 20 de maio, comemorou-se o Dia Internacional da Abelha, um dos polinizadores de grande importância para a conservação da biodiversidade e para a agricultura. A propósito, o mundialmente famoso físico Albert Einstein escreveu o seguinte: “Se as abelhas desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora, sem flora não há animais, sem animais, não haverá raça humana.”

 

Entre as principais ameaças às abelhas e restantes polinizadores destacamos a degradação dos habitats naturais, a agricultura intensivo e o uso de herbicidas.

Na nossa freguesia e em quase toda a ilha, os espaços verdes precisam de ter mais flores e menos relva, necessitam de serem preenchidos com espécies vegetais melíferas e nos terrenos agrícolas é urgente serem deixados junto às suas divisórias, mesmo em bandas estreitas, plantas silvestres. Não pode acontecer o que tenho observado, isto é, as plantas existentes nas bandas referidas são queimadas com herbicidas que são prejudiciais às abelhas e aos outros seres vivos.

Acredito que é por ignorância ou por desinformação que não se valoriza o nosso património natural e este texto é apenas um modesto contributo para o conhecimento do mundo que nos rodeia.

Para um melhor conhecimento da flora do Pico da Pedra, decidi dar a conhecer as plantas existentes nos muros de pedra existentes na Rua Capitão Manuel Cordeiro (1º e 2ª partes), fazendo um primeiro inventário.

No dia 22 de abril, Dia da Terra, identifiquei 23 espécies que podem ter usos diversos, para além de serem procuradas pelas abelhas, como a fura-capa (Bidens pilosa), a Cymbalaria muralis, e o dente-de-leão (Taraxacum officinale).

 

Usadas na medicina popular encontrei, entre outras, as seguintes plantas: fura-capa, erva-de-são-roberto (Geranium robertianum), Perpétua-silvestre (Helichrysum luteoalbum), fava-da-cova (Parietaria judaica), dente-de-leão, coucelos (Umbilicus rupestres), língua-de-vaca (Plantago lanceolata) e urtiga (Urtica membranaceae).

 

Com possível uso (ou mesmo usadas) na alimentação humana ou de animais encontrei as seguintes espécies: alhinhos (Allium triquetrum), tomate-de-capucho (Physalis peruviana), chagas (Tropaeolun majus), urtiga e serralha (Sonchus oleraceus), esta última muito usada na alimentação de coelhos.

 

Para quem quiser aprofundar o assunto, para além do recurso à internet, aconselho a consulta dos seguintes livros.

- As Plantas na Medicina Popular dos Açores, da minha autoria, editado em 2023, pelas Letras Lavadas, edições;

- Algumas plantas medicinais dos Açores, de Yolanda Corsépius, editada pela autora em 1997;

- Flora Terrestre dos Açores, de Virgílio Vieira, Mónica Moura e Luís Silva, editado em 2020, pelas letras Lavadas, edições;

- Ervas que se comem-silvestres e saborosas, de Fernanda Botelho, editado em 2022, pela Dinalivro.

 

Pico da Pedra, 21 de maio de 2024

 

Teófilo Braga

(A VOZ POPULAR, nº 208, junho de 2024)

segunda-feira, 1 de julho de 2024

Leucena

 


Leucena

 

Leucena, Ipil-ipil ou aroma-branco (Leucaena leucocefala (Lam.) De Wit) é uma espécie, da família Fabaceae, oriunda da América Central.

 

Atualmente está espalhada por vários países do mundo, figurando na lista das piores plantas com comportamento invasor, causando prejuízo à biodiversidade. Na ilha da Madeira, onde foi introduzida como ornamental e possivelmente como forrageira, no início do século XIX, encontra-se naturalizada em algumas zonas, sobretudo próximas do litoral.

 

É um arbusto ou árvore perene que em condições ideais de clima e solo pode atingir 20 m de altura. As folhas são bipenadas, as flores são brancas, agrupadas em capítulos globulares e os frutos são vagens planas, contendo 15 a 30 sementes.

 

Não é possível afirmar a data exata da sua introdução nos Açores. Em São Miguel, sabe-se que uma das chegadas terá ocorrido no final da década de 80 ou no início da de 90 do século XX.

 

Numa comunicação sobre o aproveitamento das energias renováveis nos Açores, apresentada por Francisco Botelho, da EDA, nas Primeiras Jornadas de Proteção do Meio Ambiente”, realizadas em 1988, em Angra do Heroísmo, afirma-se o seguinte:

 

“Das possibilidades consideradas que incluem também o eucalipto  e a acácia, mostra-se com especial interesse a Leucaena (Ipil-Ipil), árvore frondosa e de pequeno porte que, para além de apresentar um dos mais rápidos crescimentos, se não o mais rápido conhecido (cerca de 4 metros em seis meses, pelo menos em zonas de floresta tropical) e bom poder calorífico, tem ainda entre outras vantagens, poder de fixação de nitrogénio  no solo e folhagem rica em proteínas, permitindo o seu aproveitamento para alimentação de animais, bem como características adequadas para fixação de taludes. Está actualmente em curso um estudo acerca da sua adaptação às características climáticas da nossa Região, encontrando-se em crescimento exemplares de alguns tipos de Leucaena, de sementes originárias o Hawai.”

 

Em 1989, tivemos a oportunidade de observar nos viveiros dos Serviços Florestais, nas Furnas, pequenas plantas obtidas a partir de sementes vindas dos EUA para a EDA que estava a investigar a possibilidade do seu aproveitamento para a produção de energia elétrica a partir da queima da sua madeira.

 

Na altura, sabendo que a espécie no Havai e no Japão era uma terrível ameaça à flora nativa, os Amigos dos Açores manifestaram publicamente a sua preocupação.

 

A inquietação dos Amigos dos Açores não caiu em saco roto, pois, a 11 de março de 1992, o deputado regional do PS, Victor Ramos, em requerimento enviado ao Secretário Regional da Agricultura e Pescas, solicitou uma resposta à seguinte questão: “Que motivações e que estudos levaram à introdução da referida espécie nos Açores?”

 

A resposta, que deu entrada na ALRA a 21 de julho de 1992, foi assinada por Rui Nina da Silva Lopes, secretário-geral da Presidência do Governo e foge à questão levantada, isto é, apenas menciona que “não foram efectuadas quaisquer plantações de leucaena na ilha de S. Miguel”

 

Mas, como em quase tudo nesta vida, nem tudo é negativo na leucaena, pois há usos que não podem ser esquecidos. Assim, ela já foi considerada como a “árvore milagre”, sobretudo para alguns países do chamado Terceiro Mundo, onde a desflorestação e o empobrecimento dos solos atinge grandes dimensões.

 

A madeira de leucaena pode ser usada como combustível, na alimentação e aquecimento e em centrais de produção de eletricidade.

 

As folhas da leucaena podem ser usadas na alimentação humana e na do gado. Na alimentação humana podem ser utilizadas em sopas e em saladas. As folhas são também muito apreciadas pelo gado, nomeadamente bovinos, suínos e caprinos, podendo ser usadas também em silagens. As sementes de leucena, depois de torradas e moídas podem ser usadas como substituto do café.

 

Plantada em fileiras alternadas com outras espécies a leucaena pode estimular o crescimento daquelas.

 

A leucena é também usada em várias regiões do mundo como planta ornamental, o que já acontece em Ponta Delgada, num dos seus grandes jardins.

 

2 de julho de 2024